Olá, este texto foi baseado no meu Trabalho de Conclusão de Curso, espero que goste!

Quando se ouve falar em dependência é comum associar esse termo ao uso de substâncias ilícitas, como usuários viciados em drogas psicoativas. Porém, o termo dependência também está relacionado outros tipos de dependências, como as de sentimentos ou relacionamentos. A dependência emocional ou afetiva
tem ganhado atenção de muitos pesquisadores ao longo dos últimos anos (BUTION; WECHSLER, 2016).

Transtorno de Personalidade Dependente (TPD)

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, DSM-V (2014) aborda sobre o Transtorno da Personalidade Dependente (TPD), classificado pelo F60. 7, como aquele indivíduo que tem uma tendência a depender do outro, necessitando de um cuidado excessivo, apresentando também medo em ser abandonado ou que ainda costume a ser submisso em diversas situações, além de buscar uma relação que oferte atenção e apoio. Esse transtorno surge no início da vida adulta e tem como critérios diagnósticos, pessoas que:

1. Tem dificuldades em tomar decisões cotidianas sem uma quantidade excessiva de conselhos e reasseguramento de outros. 2. Precisa que outros assumam responsabilidade pela maior parte das principais áreas de sua vida. 3. Tem dificuldades em manifestar desacordo com outros devido a medo de perder apoio ou aprovação. (Nota: Não incluir os medos reais de retaliação.) 4. Apresenta dificuldade
em iniciar projetos ou fazer coisas por conta própria (devido mais a falta de autoconfiança em seu julgamento ou em suas capacidades do que a falta de motivação ou energia). 5. Vai a extremos para obter carinho e apoio de outros, a ponto de voluntariar-se para fazer coisas desagradáveis. 6. Sente-se desconfortável ou desamparado quando sozinho devido a temores exagerados de ser incapaz de cuidar de si mesmo. 7. Busca com urgência outro relacionamento como fonte de cuidado e amparo logo após o término de um relacionamento íntimo. 8. Tem preocupações irreais com medos de ser abandonado à própria sorte
(DSM-V, 2014, p.675).

Possivelmente para muitas pessoas a dependência não é vista como um transtorno sério, mas observando apenas alguns desses comportamentos que compõe os critérios diagnósticos do manual já se pode perceber como são prejudiciais para a independência do sujeito, pois até mesmo nas situações mais simples, o indivíduo depende e necessita do amparo do outro. Isso se torna preocupante, pois em muitos relacionamentos a pessoa que tem esse poder de controle pode prejudicar o outro emocionalmente e psicologicamente.

Se um indivíduo que já tem tendência à dependência se relacionar com alguém abusivo pode ter ainda mais dificuldades em romper essa relação, pois passa a sofrer manipulação e em muitos casos nem percebe que aquilo faz parte de uma relação abusiva, pois pode ver esse “cuidado” agressivo como uma forma
de amor também.

O TPD pode apresentar tanto em homens quanto mulheres, porém, é mais comum acometer mulheres (BASTOS; SANTOS; STEIN, 2014). Os indivíduos dependentes apresentam falta de autoconfiança, baixa autoestima e se sentem inferiores em qualquer atividade que venham a realizar sem o auxílio do outro, além de que se submetem às ordens de outros quando são repreendidos, no intuito de serem aceitos (PESSOAS…, 2018).

Segundo a Dra. Maria Fernanda Caliani (2018), as causas ainda não foram bem definidas, mas acredita-se que uma experiência de vida negativa somada à vulnerabilidade social com o aumento da ansiedade seriam um dos fatores, além de casos de filhos superprotegidos por seus genitores.
A partir dos critérios do TPD no DSM, alguns estudiosos aprofundaram ainda mais seus estudos. Como Moral e Sirvent (2008) que retratam a dependência emocional como a incapacidade do indivíduo de romper laços afetivos, a intensidade em suas demonstrações de amor e carinho, assim como sentimentos de culpa, vazio e o medo do abandono. Uma pessoa dependente emocionalmente tende a assumir uma posição submissa, podendo ignorar suas próprias necessidades a fim de satisfazer o outro, podendo também aceitar desprezo e humilhação.

A dependência emocional também pode ser caracterizada por outros comportamentos, como a possessividade e ciúmes excessivos, em relacionamentos amorosos, fazendo com que o indivíduo dependente se torne uma pessoa tóxica em seus relacionamentos, por sempre querer atenção, de forma disfuncional (SOPHIA, 2008).
A Dra. Maria Fernanda Caliani fala no canal Neurologia e Psiquiatria TV (2018) que uma pessoa com o transtorno da personalidade dependente também apresenta ansiedade em seu quadro. Esse indivíduo necessita ter uma figura de
confiança para se sentir emocionalmente seguro e confortável. Normalmente, na fase adulta, um indivíduo com TPD depende de um de seus genitores ou do seu cônjuge para tomar decisões e iniciar projetos. Essa pessoa de confiança é tão importante para este indivíduo, que o mesmo sem perceber é capaz de abrir mão de seus sonhos por essa pessoa. Além disso, é comum passar a vida em uma incessante busca por um parceiro que saiba lidar com sua vida melhor que ela, que possa apoiá-la e defendê-la. Os companheiros acabam sendo idealizados como perfeitos e alguém sem defeitos (PESSOAS…, 2018).

Dependência de relacionamentos

Sirvent (2000) classifica as Dependências de Relacionamentos em genuínas e mediadas. As dependências genuínas estão relacionadas quando há a existência de apenas uma patologia referente à dependência afetiva, compreendendo a dependência emocional, o apego ansioso e transtornos de personalidade (dependente, antissocial, etc.). E as dependências mediadas são caracterizadas pela co-dependência e bidependência e referem-se aos indivíduos adictos, isto é, aquelas pessoas que são viciadas em drogas, álcool ou jogos de azar, ou também pode se referir a indivíduos que convivem com um sujeito adicto.

Desse modo, as dependências de relacionamentos ou dependências emocionais são caracterizadas pela dependência de amor, interdependência, dependência afetiva, etc. Também podem ter motivos secundários, como vícios caracterizados pela co-dependência e bidependência (SIRVENT, 2000). O autor explica que quando um indivíduo sem vícios patológicos se envolve com uma pessoa com vícios a relação é chamada de co-dependência e caso for um indivíduo adicto se relacionando com outras pessoas é chamado de bidependência.

Dependência afetiva em relacionamentos amorosos: Como pode ser definida?

Riso (2014) pontua em um dos seus livros sobre a dependência afetiva. Quando se depende de uma pessoa que se ama, o autor afirma que é o mesmo de se morrer em vida, pois seu amor-próprio, o auto-respeito e toda a essência
daquele indivíduo serão ofertados ao seu objeto de amor irracionalmente, o fazendo viciar neste amor a ponto de tornar uma continuação desse outro. O autor cita o exemplo de uma paciente sua que era frequentemente violentada verbalmente e que o motivo para não deixar seu parceiro era que o amava, mas acreditava que o terapeuta a ajudaria a parar de amá-lo. Nestes casos, o melhor a se fazer é tratar o transtorno semelhante a pacientes viciados em drogas, ao qual se deve abandonar o vício independente de sua vontade.

Dessa forma, a terapia vai trabalhar com esse indivíduo o autocontrole, para que mesmo que ele venha a precisar do seu objeto do vício, ele venha saber lidar com ele. Nos casos amorosos, o terapeuta afirma que é necessário que seja
investigado a causa do medo irracional, melhore a autoestima e auto eficácia e auto-respeito desse paciente (RISO, 2014). Em casos de rompimentos ou até o luto, há muitos casos em que o indivíduo dependente sente a necessidade de engatar em uma nova relação para preencher aquele vazio deixado pelo outro, mesmo que em outro momento tenha amado imensamente e declarado que não poderia viver sem aquela pessoa (PESSOAS…, 2018).

Complexo de cinderela: Você conhece?

Em 1980, o termo complexo de cinderela foi utilizado pela primeira vez pela psicóloga Colette Dowling (2002) para retratar a dependência feminina e o desejo inconsciente dessas de necessitarem dos cuidados de uma segunda pessoa. A autora baseou sua tese em sua própria experiência e também observando outras mulheres. Ela concluiu que essa dependência do outro nasce e acompanha a mulher desde a infância até a fase adulta. O termo que nomeia seu livro foi baseado em:

Uma rede de atitudes e temores profundamente reprimidos que
retém as mulheres numa espécie de penumbra e as impede de utilizar
plenamente seu intelecto e sua criatividade. Como Cinderela, as
mulheres de hoje ainda esperam por algo externo que venha transformar
suas vidas (DOWLING, 2002, p. 20).

Com tal citação, a autora passa a ideia de que as mulheres com esse complexo da cinderela precisam ser salvas por alguém para serem felizes. Essa necessidade imposta culturalmente é outro exemplo claro de dependência, pois
em sua obra é demonstrado vários exemplos de mulheres adultas, inclusive a mesma, que se escondem atrás de seus casamentos ou filhos e acabam se tornando dependentes, com medo de se exporem para realização de seus sonhos.

Dependência afetiva em relacionamentos familiares

No estudo de Zani e Valerio (2004) um exemplo claro sobre o transtorno da personalidade dependente em contextos familiares pode ser observado na vida de uma jovem de 24 anos que optava em deixar todas as decisões de sua vida para sua mãe e outros membros de sua família, necessitando do apoio de sua família até para situações do dia a dia. Se apresenta também quando um dos familiares é extremamente apegado no outro, podendo ser além de apegado, obsessivo ao ponto de incomodar esse membro da família.

A dependência por parte dos pais é apresentada com o excessivo controle e cuidado que os genitores apresentam com sua prole. Já por parte dos filhos se apresenta na constante necessidade de aprovação e o medo de agir de determinado jeito com medo de prejudicar a relação (PSICOLOGIAS…, 2017). Em adolescentes, que estão próximos a idade adulta também é comum observar comportamentos dependentes em relação a que faculdade ou curso irá fazer no futuro (PESSOAS…, 2018).

Dependência afetiva em relacionamentos de amizade

A Dra. Elizabeth Zamerul (2018) afirma que também existe dependência afetiva em relacionamentos de amizade. Sinais como ter um único amigo para apoiar-se e atender suas necessidades a todo momento, se sentir ameaçado quando esse amigo em especial entra em uma nova relação, seja romântica ou de amizade, se sentindo até desprezado por essa pessoa ter uma nova pessoa e com medo de perder são alguns dos critérios que podem indicar uma dependência emocional.

A psiquiatra também alerta para outros sinais como o fato de estar sempre à disposição dessa pessoa, como um modo de se sentir útil ou quando essa pessoa está com um humor alterado, o indivíduo dependente se sobrecarrega a ponto de estragar seu dia com a problemática do outro. Algo muito visto também é não permitir que esse amigo fale com pessoas que não são do mesmo convívio ou se sentir culpado quando precisa se ausentar ou sair com outras amizades.

E no contexto profissional?

Dowling (2002) fala sobre a capacidade que a mulher tem há anos e culturas atrás de se modificar em prol do bem-estar de seu marido e filhos. Porém, mesmo com essa facilidade em ser multitarefas, as mulheres apresentam um alto desvalor e falta de confiança ao desempenhar papéis profissionais, se sentindo inseguras até ao se arriscar ou competirem com papéis masculinos. Dentro destes exemplos, outra fala que se encaixa é a da Dra. Maria Fernanda Caliani (2018), que pontua que as pessoas com TPD podem até se boicotar, com medo de aparentar ser mais que o outro, com medo de ser abandonado ou desprezado.

Riso (2015) pontua que há um grande número de pessoas que são dependentes emocionais e nem sabem. Pessoas com relação de dependência entregam-se em busca de satisfação e segurança, gerando uma sensação falsa
de autorealização. O autor afirma que não é abandonar todas as pessoas e viver em isolamento, pois de certa forma todos os seres humanos vivem com algumas dependências obrigatórias, como quando vai ao médico e depende do trabalho deste profissional ou quando estuda e depende do professor. Essas são dependências saudáveis.

Dependência x apego

Muito se é discutido sobre a relação entre à dependência e o apego. Bowlby (2002) descreve que a dependência nos relacionamentos interpessoais é uma condição a ser evitada, mas o apego é visto por muitos como uma condição a ser valorizada. Quanto ao apego, Bowlby (1989) afirma que apesar do comportamento de apego ser mais comum de se observar na primeira infância, ele acompanha o ser humano ao longo de sua vida.
Mas uma experiência dependente adquirida ainda na infância pode levar o indivíduo a estabelecer em sua vida adulta um sistema de apego com seu par romântico com intuito de preencher algo em seu interior (RODRIGUES;
CHALHUB, 2009), servindo como uma espécie de motivação. Os autores relatam também que um indivíduo com o apego ambivalente pode desenvolver um amor dependente, marcado pelo medo de ficar sozinho, mesmo que esse
relacionamento seja prejudicial. Essa ambivalência de sentimentos originado na primeira infância é caracterizada pela criança que cresceu com esse apego inseguro e não consegue se distanciar de uma relação mesmo ela sendo
insatisfatória.

REFERÊNCIAS

BUTION, D. C.; WECHSLER, A. M. Dependência emocional: uma revisão sistemática da literatura. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, Londrina, v.7, n.1, p.77-101, jun. 2016. Disponível em http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2236-64072016000100006&lng=pt&nrm=iso acesso em: 02 março 2020.

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fifth Edition (DSM-V). Arlington, VA: American Psychiatric Association, 2013.

BASTOS, P; SANTOS, M; STEIN, S. Atendimento psicoterápico comportamental de uma mulher adulta com comportamentos característicos de dependência afetiva. Comportamento em foco. São Paulo: Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental – ABPMC, 2014, p. 91-106.

BOWLBY, J.Apego: A natureza do vínculo (A. Cabral, trad.). São Paulo, Brasil: Martins Fontes. 2002. (Obra originalmente publicada em 1969).

DOWLING, C. Complexo de Cinderela. [Tradução de Amarylis Eugênia F. Miazzi]. 53 ed. São Paulo: Melhoramentos, 2002.

MORAL, M.V.; SIRVENT, C. Dependencias sentimentales o afectivas: etiología clasificación y evaluación. Revista Española de Drogodependencias, v.33, n. 2, 2008, p. 150-167. Disponível em: https://www.aesed.com/descargas/revistas/v33n2_2.pdf acesso em 10 maio 2020.

PESSOAS com medo de tomar decisões sozinhas. Conheça o Transtorno de personalidade dependente. In: NeurologiaePsiquiatria TV, Dra. Maria Fernanda Caliani, publicado em 14 de novembro de 2018. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=Bj817otaoEE> Acesso em: 26 agosto 2020.

PSICOLOGIAS DO BRASIL. A dependência emocional não existe somente entre casais. 2017. Disponível em:
<https://www.psicologiasdobrasil.com.br/dependencia-emocional-nao-existesomente-entre-casais/> acesso 26 agosto 2020.

RISO, W. Amar ou depender? Como superar a dependência afetiva e fazer do
amor uma experiência plena e saudável. Tradução Marlova Aseff. Porto Alegre:
L&PM, 2014.
______. Desapegue-se: como se livrar do que nos tira energia e bem estar.
Tradução de Célia Regina Rodrigues de Lima. Amazon, 2015, p.151.

RODRIGUES, S.; CHALHUB, A. Amor com dependência: Um olhar sobre a teoria do apego. O portal dos psicólogos, 2010. Disponível em: https://www.psicologia.pt/artigos/textos/TL0155.pdf acesso em: 11 março 2020.

SIRVENT, C. Las dependencias relacionales (D.R.): Dependencia emocional, codependencia y bidependencia. Resumos de Ponencias y Comunicaciones I Symposium Nacional sobre Adicción en la Mujer , Madrid, Espanha, 27-30, 2000. Disponível em https://www.researchgate.net/publication/299634478_Las_dependencias_relacionales_dependencia_emocional_codependencia_y_bidependencia_Relational_dependences_emotional_dependence_codependence_and_bidependence acesso em: 12 março 2020.

SOPHIA, E.C. Amor patológico: aspectos clínicos e de personalidade. 2008. 130 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo, 2008.

ZANIN, C. R.; VALERIO, N. I. Intervenção cognitivo-comportamental em transtorno de personalidade dependente: relato de caso. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva. São Paulo, v. 6, n. 1, p. 81-92, jun. 2004.
Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-55452004000100009 acesso em: 20 junho 2020

8 sinais de dependência emocional na amizade. In: Dra. Elizabeth Zamerul, publicado em 2018. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=pE3IWiVFgEI > Acesso em: 26 agosto 2020.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *